segunda-feira, 28 de junho de 2010

Resíduo Comum


Salas Grandes de ventos fortes, vozes, o meu fraco virou a TV, muitos pra que?por que? como é? surgem, observo os pacientes do lado e faço igual,o vento me levava dos quartos até os corredores, cada vento uma dor, cada vento um nó.Da criança ao idoso todos cansados, lágrimas não passageiras
fique assim não, passa você vai ver!
Nenhum sorriso,nem venha dizer que passa, não são burros!Ah, se fossem sim passageiras, como as pessoas que passam e deixam mais uma cama vazia(por pouco tempo), mais uma despedida de corpos abatidos, mais umas vez lágrimas,
frases mudas de despedida, olhares silenciosos,aí chega o medo trazendo a tristeza, quando não tivemos a chance de um adeus.Aí chega o medo, medo e duvidas, medo e exclamações, medo e desespero,cansados da quimioterapia, dos remedios e seus efeitos
Será que o carro de apoio chega logo
Eles sabem que esse remédio é uma droga
Preciso ir pra casa
Ai que frio, alguém me arruma um lençol?
Passa tudo, menos um doutor
Dormem, alguém demora a acordar pro remédio, estou no corredor, uma garota por volta dos 13 anos de idade me olha envergonha,é madrugada seus cabelos estão em poucos fios, ressaltando o couro cabeludo,rapidamente entra no quarto.
Um senhor de idade pergunta duas vezes se já teve alta, dói em mim, não sei responde-lo, pergunto quem tá com ele
Estou só, não tenho ninguém
A resposta e seu tom doeram em mim de tal forma que fiquei tonto, no mesmo momento chegou uma enfermeira sorrindo
Seu bernardo, são horas de se internar?
Seu bernardo acabara de chegar, com a esposa.Enquanto isso olho a TV, ainda ligada.Enem, copa do mundo, olimpíadas,bancos em greve e etc.Alguém olha pra TV e diz
Ainda tem essa greve, que também é uma droga,Um senhora chega friamente na porta
Hora da janta, mingau e água de coco, um dos dois
Quero os dois
Não ou um ou outro!
Mesmo assim peguei os dois, dois copos grande pela metade, um de cada, outro vento leva-me a dar uma volta nos corredores,impressionante,todos que olho a maioria parecia que já vi em algum lugar, rostos conhecidos e alguns me remetem a infância,
minha infância,olho e tento lembrar de onde, infelizmente não sei a resposta, mas a certeza de que já tive com elas em algum momento dessa ou de outra vida era enorme.
O quarto está escuro, vou ao banheiro, escuto gritos e saio:
Alguém me ajude, por favor, um homem, me ajude
Como é que pode uma idosa cuidar de outra com um estado
de saúde completamente grave?
Então, estava lá a idosa no chão,Caiu da cama,e a outra idosa tentando levanta-la sem forças, magrinha de dar dó, mas não conseguiam
levantar, as duas deslizavam em fezes,um homem chega na minha frente, fiquei aliviado, eu não podia entrar, era quarto de mulheres,
ele levanta a senhora do chão enquanto a outra senta na cadeira.Ainda é madrugada, portas batem, vozes, os remédios são servidos
com silencio e boa vontade, um homem tem alta as três horas da manha,incrível, mas ele reclama, pois não tem dinheiro pro pro Táxi.
Amanhece, o sol ta em meu rosto, nos meus olhos, na minha pele, enfermeiros passam com Bom dia e apaisanos, entregar as coordenadas ao
próximo que entra no horário.
Seu José sai pra cirurgia , entre lágrimas e soluços
tenho oito filhos, por favor, tenho oito filhos
Não chore seu José, assim sua pressão aumenta, a diabete e
tudo, e aí não vai dar certo, tenho fé em Deus, seu José.
Novas lágrimas são jogadas no chão da sala grande, os olhos se encontram vermelhos, todos se olham,a dor da espera por seu José, a espera por outro homem
Será que ele volta?
Se Deus quiser
Quando seu José sai, outro homem,chora,chora muito, pois não tem vaga na UTI, e por não ter vaga na UTI ele não pode realizar sua cirurgia
adiaram, mais uma lágrima percorre os ombros da sala grande, dessa vez os filhos e esposa choram juntos
É feio né doutor, homem chorar, ô vergonha
É não seu Patrício, só não tem porque ta chorando
Enquanto o medico consola seu Patrício, a esposa de seu José solta sua mão e se apega ao terço como uma esfomeada, ela só reza,
mesmo com o tráfego de pessoas pelo quarto seus olhos são fixados pra parede, os lábios mexem em oração e seu Patrício sorrindo e em repetidas vezes exclama
Só adiando, só adiando, só adiando!
No mesmo instante pensei nas lágrimas de seu patrício e seu sorriso logo ali junto, rindo do próprio sufoco, a esposa levanta-se
me oferece uma oração, aceito, ainda tremulo e tenso, ela com a mesma mão que segura o terço me entrega um papel, ela não solta o terço, chorava e dizia
É minha santinha
baixei a visão, meu olhar parou na lixeira, e la escrito resíduo comum,
no mesmo instante o vento vagou forte,parecia dizer algo, um aviso, um vento frio.

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